Ao pensar sobre a criação de ícones urbanos, é impossível não lembrar de obras que influenciaram profundamente o planejamento urbano e a arquitetura, como a Catedral de Brasília, projetada por Oscar Niemeyer, que revolucionou a forma como concebemos espaços religiosos e públicos. Sua arquitetura ousada e inovadora se tornou um símbolo não apenas da capital federal, mas também da identidade brasileira. Outro exemplo notável é o High Line, em Nova York, uma antiga linha de trem elevada transformada em parque urbano, que enfatizou a importância das interações humanas, da escala acessível e da diversidade funcional nos ambientes urbanos. Essa obra transformou o entendimento sobre como os espaços devem ser projetados para servirem às pessoas e se tornarem ícones da cultura urbana.
Observando a vida das pessoas nas cidades e seus mapas mentais de orientação e memória, duas questões me fazem refletir:
Como nascem os ícones nas nossas cidades? Os ícones são aquelas edificações que se destacam no tecido urbano e que, além de belas, são funcionais, tornando-se um lugar de referência ou o ponto de encontro entre os moradores da região, assim como os exemplos citados acima.
Outra dúvida resultante desse pensamento é: como vencer o desafio de conceber um projeto complexo, de múltiplos usos e que envolve diversas disciplinas para que seja bem-sucedido e se torne um ícone?
A solução para essas duas questões pode residir na metodologia charrette, uma ferramenta muito útil para unir equipes multidisciplinares, extraindo as melhores ideias de cada disciplina em tempo recorde para os parâmetros de concepção de projetos complexos. Essa metodologia, que se originou no século XIX na École des Beaux-Arts em Paris e que, com base na experiência de 40 anos, foi adaptada para o mercado imobiliário brasileiro, tem se consolidado como uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento de projetos inovadores, sustentáveis e de grande sucesso de vendas.
O que é a metodologia Charrette?
A Charrette é uma metodologia que se caracteriza por ser um processo colaborativo, envolvendo diversas partes interessadas em ciclos dinâmicos de feedback, permitindo a troca contínua de ideias e a construção de soluções que atendam às necessidades de todos os stakeholders envolvidos. Originada no século XIX na École des Beaux-Arts, em Paris, o termo "charrette" tem suas raízes na palavra francesa que significa "carrinho de mão". Na época, estudantes de arquitetura tinham seus projetos recolhidos em charretes enquanto trabalhavam freneticamente até os últimos momentos, dando origem à metáfora do trabalho colaborativo e intensivo para a resolução de problemas de design.
A metodologia se expandiu além das salas de aula e passou a ser amplamente adotada em projetos de urbanismo, arquitetura, planejamento comunitário e design, permitindo a construção de conceitos inovadores e bem-sucedidos. O Nacional Charrette Institute (NCI), com sede nos Estados Unidos, é uma referência mundial no ensino da metodologia, oferecendo cursos especializados na condução de charrettes. O NCI tem sido responsável por capacitar profissionais em todo o mundo, garantindo a aplicação adequada desse processo em diversos contextos.
A charrette foi amplamente utilizada em diversos cenários ao redor do mundo, especialmente em situações de crise e reconstrução. Um exemplo notável foi sua aplicação após o furacão Katrina, em 2005, quando a cidade de Nova Orleans passou por um processo de recuperação. O uso da metodologia charrette permitiu que especialistas de diversas áreas e a própria comunidade trabalhassem juntos para redesenhar a cidade de forma mais resiliente.
Em diversos locais dos Estados Unidos, o uso de charrettes se tornou obrigatório por lei em determinados tipos de empreendimentos, especialmente no que se refere a projetos que envolvem desenvolvimento comunitário e impacto urbano. Isso demonstra o reconhecimento institucional da metodologia como uma ferramenta eficaz para garantir que as soluções propostas sejam inclusivas e bem aceitas pela sociedade.
Essa combinação de colaboração intensiva, inovação e participação ativa faz da charrette uma metodologia poderosa, capaz de transformar projetos complexos em empreendimentos de sucesso, respeitando o tempo e os recursos disponíveis. A adaptação e o sucesso dessa metodologia em contextos tão diversos, como desastres naturais e grandes projetos urbanos, solidificam seu papel essencial no desenvolvimento do ambiente construído.
Como é feita uma Charrette?
O processo de Charrette do National Charrette Institute (NCI) é uma metodologia colaborativa e estruturada, que ocorre ao longo de 4 a 7 dias. Ele reúne especialistas, stakeholders e a comunidade para desenvolver soluções de forma intensiva e inclusiva. O evento começa com o pré-planejamento, onde são definidos os objetivos e mapeados os participantes. Segue-se a análise da situação, com coleta de dados e definição dos desafios a serem abordados.
Durante o charrette, há sessões diárias de trabalho colaborativo, onde as equipes multidisciplinares esboçam, revisam e refinam soluções em tempo real, com feedback constante. O evento culmina em uma apresentação final, onde os resultados são expostos a todos os envolvidos, e o plano consolidado é discutido para garantir consenso. Esse processo é amplamente utilizado para projetos de espaços públicos, com consulta à população como parte essencial do processo.
Já no caso brasileiro, a Charrette foi adaptada para atender melhor o nosso mercado imobiliário e o dinamismo que este exige. O evento ocorre de uma maneira mais ágil e compacta, sendo possível dividir o processo em 3 etapas:
1. Pré-charrette: Planejamento e Preparação
Antes de iniciar uma charrette, é necessário um planejamento detalhado para garantir que todos os elementos necessários estejam disponíveis. Isso inclui a identificação das partes interessadas que participarão do processo, a escolha do local (físico ou online) e a definição clara dos objetivos do projeto. Durante essa fase, também é essencial realizar pesquisas preliminares sobre o local e o contexto do empreendimento, levantando informações sobre as características urbanas e as expectativas da comunidade local.
A etapa de pré-charrette também envolve a estruturação da equipe que conduzirá o processo, garantindo a participação de especialistas relevantes, como arquitetos, engenheiros, paisagistas e sociólogos. Essa diversidade de conhecimentos é essencial para que a charrette seja capaz de abordar de forma abrangente os desafios apresentados pelo projeto.
2. A Charrette: Fase Colaborativa Intensiva
O coração do processo charrette ocorre durante as sessões colaborativas intensivas, nas quais todos os participantes trabalham juntos para desenvolver soluções criativas e práticas. Aqui, a metodologia se baseia na troca contínua de ideias, com as equipes revisando e aprimorando as propostas à medida que o processo avança. Uma das características marcantes dessa fase é a "rotatividade de ideias", na qual as equipes revisitam continuamente suas propostas, refinando e ajustando as soluções com base no feedback coletivo.
A estrutura colaborativa permite que diferentes perspectivas e conhecimentos sejam integrados de forma fluida, resultando em propostas que consideram tanto as demandas técnicas quanto às necessidades sociais e ambientais. Além disso, o uso de ferramentas de desenho colaborativo e tecnologias de apoio, como a inteligência artificial, permite que as ideias sejam visualizadas e testadas em tempo real, aumentando a eficiência do processo.
3. Pós-charrette: Implementação e Prototipagem
Após a conclusão da charrette, as ideias geradas durante o processo são compiladas e organizadas em um relatório ou guia que serve como base para a implementação do projeto. Essa fase envolve a prototipagem das soluções propostas, assim como a definição de estratégias para sua execução. É comum que os resultados da charrette sejam apresentados em formato de livro-conceito (Concept Book), com ilustrações detalhadas que facilitam a visualização do projeto final.
Além disso, a pós-charrette é fundamental para garantir que o projeto continue a evoluir de forma colaborativa. As ideias desenvolvidas durante o workshop são analisadas e, se necessário, ajustadas para atender às demandas técnicas ou financeiras do projeto. O envolvimento contínuo das partes interessadas durante essa fase garante que a execução do projeto se mantenha fiel aos princípios de cocriação estabelecidos durante a charrette.
Quais as vantagens de fazer uma Charrette?
A metodologia charrette oferece inúmeras vantagens que fazem dela uma ferramenta indispensável para o desenvolvimento de projetos complexos, especialmente quando envolve múltiplas partes interessadas e disciplinas diversas. Entre os principais benefícios, destacam-se o ganho de tempo, o estímulo à inovação e a capacidade de integrar diferentes perspectivas em um curto período. Dentre as diversas vantagens existentes, podemos destacar:
Ganho de tempo Um dos maiores benefícios da charrette é a eficiência no uso do tempo. Em vez de prolongar o processo de desenvolvimento de um projeto por semanas ou meses, a charrette concentra todos os envolvidos em um curto período de trabalho intensivo, permitindo que decisões sejam tomadas rapidamente. Isso é particularmente útil para projetos que exigem prazos apertados, como a recuperação de áreas afetadas por desastres ou empreendimentos que precisam ser aprovados e implementados em um cronograma rígido.
Estímulo à inovação A charrette cria um ambiente propício à inovação, pois reúne diferentes especialidades em um espaço colaborativo. Ao promover a troca constante de ideias, esse processo favorece a criatividade e a busca por soluções inéditas que muitas vezes não surgiriam em um ambiente de trabalho tradicional. A diversidade de pensamentos e backgrounds dos participantes contribui para a construção de soluções que não só atendem às necessidades imediatas, mas que também têm um caráter inovador e visionário.
Conciliação de agendas Reunir todos os stakeholders de um projeto pode ser um desafio em processos convencionais. A charrette, por ser um evento com duração definida, facilita a conciliação de agendas, já que todos os envolvidos são convocados a participar ativamente em um período concentrado. Isso ajuda a evitar atrasos no desenvolvimento e garante que as decisões sejam tomadas com a presença e o consenso de todas as partes interessadas.
Múltiplos pontos de vista Ao reunir profissionais de diferentes áreas, como arquitetura, engenharia, planejamento urbano, meio ambiente, e também a própria comunidade, a charrette integra múltiplos pontos de vista no processo de tomada de decisão. Esse ambiente multidisciplinar favorece a criação de soluções mais abrangentes, pois considera as necessidades e perspectivas de todas as partes envolvidas. Isso resulta em projetos mais equilibrados, funcionais e aceitos pela sociedade.
Soluções baseadas na experiência acumulada Um dos aspectos mais valiosos da charrette é a capacidade de extrair o máximo da experiência acumulada de todos os participantes. Cada profissional e stakeholder traz consigo um conhecimento específico, adquirido ao longo de anos de prática, que pode ser utilizado para enriquecer o projeto. A charrette permite que esse conhecimento seja compartilhado de maneira eficiente, gerando soluções robustas e fundamentadas em expertise prática.
Prototipagem e exploração de possibilidades Durante uma charrette, a prototipagem rápida de ideias é amplamente incentivada. Essa prática permite que diferentes soluções sejam testadas e exploradas em tempo real, possibilitando ajustes imediatos conforme o feedback das partes envolvidas. Ao prototipar diversas ideias, o grupo tem a oportunidade de explorar o máximo de possibilidades antes de tomar uma decisão final. Isso aumenta a probabilidade de sucesso do projeto, já que os riscos e desafios são antecipados e solucionados de maneira coletiva.
Quais os exemplos de Charrettes já feitas no Brasil?
Além de demonstrar os benefícios e a eficácia da metodologia Charrette, é importante mencionar que existem diversos casos de sucesso que ilustram sua aplicação no desenvolvimento de empreendimentos imobiliários. A seguir, citaremos quatro exemplos notáveis que exemplificam como a Charrette pode gerar soluções inovadoras e impactantes. No entanto, é fundamental destacar que muitos outros projetos também poderiam ser mencionados, cada um contribuindo de maneira única para a melhoria da qualidade de vida e da sustentabilidade urbana.
Um dos exemplos notáveis de sucesso na aplicação da metodologia Charrette é o empreendimento ID Vida Urbana, da FR Incorporadora. Nesse projeto, o Workshop Charrette proporcionou várias soluções inovadoras, como a criação de uma área de conveniências com restaurantes, bares e lojas no térreo, além da divisão do prédio em 10 edificações de 4 andares, interligadas por um grande átrio. Cada edificação é temática, oferecendo exclusividade para os moradores e promovendo uma sensação única de pertencimento e personalização.
Outro exemplo relevante é o Platina 220, localizado no Eixo Platina, em São Paulo. Este projeto enfrentou desafios arquitetônicos complexos, sendo o maior arranha-céu da cidade, com 172 metros de altura. Durante a Charrette dedicada a esse projeto, foi decidido que o empreendimento seria uma torre única de uso misto, combinando lojas, hotel, apartamentos residenciais e escritórios em um mesmo local. Além disso, o paisagismo do condomínio foi cuidadosamente projetado para proporcionar opções de lazer e conveniências, promovendo uma integração harmoniosa entre conforto e qualidade de vida. O impacto desse projeto foi tão significativo que se tornou notícia em diversas plataformas de arquitetura.
Outro exemplo é o IMAN, um empreendimento de alto padrão na Vila Mariana, São Paulo, desenvolvido pela Tarjab Incorporadora. Durante a Charrette, foram criadas várias prototipações para explorar diferentes opções de fachadas, plantas e atividades para o térreo. Essa flexibilidade no processo permitiu ajustar o projeto às necessidades dos futuros moradores e às demandas do mercado, garantindo uma solução eficiente e personalizada.
Por fim, o Autoral, da Tegra Incorporadora, que venceu o Prêmio Master Imobiliário em 2019, é outro exemplo de sucesso da aplicação da Charrette. Desde o início, o projeto foi inovador, com a união de três torres e a criação de uma ampla área de jardins no interior do condomínio. A metodologia Charrette foi fundamental para propor soluções que melhorassem as áreas condominiais, promovendo bem-estar e qualidade de vida aos moradores. Esse projeto destaca-se como uma referência de sucesso na implementação de soluções urbanísticas e paisagísticas inovadoras.
Nesse contexto, a Charrette do Icon, realizada em Passo Fundo entre 30 de maio e 3 de junho de 2022, é um exemplo contemporâneo e relevante. Com a proposta de desenvolver um empreendimento que integrasse residenciais, área corporativa e espaço comercial, a charrette buscou criar uma nova centralidade na cidade, um ponto de referência que promovesse a modernidade e a conexão entre os moradores. O processo colaborativo permitiu que diferentes perspectivas fossem integradas, resultando em soluções que consideravam tanto as demandas técnicas quanto às necessidades sociais e ambientais da comunidade.
Através de dinâmicas colaborativas e rotatividade de ideias, os participantes da Charrette do Icon foram incentivados a experimentar e propor soluções criativas. O Icon da ECB, resultado desse esforço conjunto, não será apenas um projeto imobiliário, mas sim um ícone que representará um legado duradouro para a cidade. Portanto, podemos dizer que a charrette está fazendo nascer mais um ícone na cidade de Passo Fundo.
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